Todos os meses a Sanepar e a Vital Engenharia repassam para a prefeitura valores equivalentes a 1% e 2%, respectivamente, sobre seus faturamentos. O valor que entra nos cofres públicos é uma incógnita, nem as concessionárias prestadoras de serviços, tampouco a prefeitura revela os números. Calcula-se, porém, que são milhões por ano.
Para se ter uma ideia, os repasses do Fundo Municipal de Meio Ambiente, gerido pela prefeitura, para as associações de agentes ambientais somam, desde 2018, mais de R$ 14 milhões. Somente a partir de 2018 os dados constam do Portal da Transparência da prefeitura.
Os valores repassados pelas concessionadas deveriam ser destinados para a criação e manutenção de uma agência reguladora de serviços públicos prestados por estas empresas e também para campanhas de educação ambiental.
Lei Federal nº 12.305/2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, estabelece que os municípios devem elaborar planos de gestão integrada de resíduos para organizar a coleta, tratamento e destinação final dos resíduos.
No caso de Foz do Iguaçu, em 2012, o esse plano foi aprovado pela Câmara de Vereadores e sancionado pelo então prefeito Paulo Mac Donald Ghisi. Neste diploma ficou também definido que o plano deveria ser regulamentado em até 12 meses e o prefeito criar uma agência reguladora.
Nada disso foi feito. Embora a prefeitura seguisse recebendo os percentuais pagos pelas concessionadas. Em 2019, uma Comissão Parlamentar de Inquérito foi instalada na Câmara de Vereadores para investigar o assunto. O relatório final trouxe a seguinte conclusão: “O Plano de Saneamento Básico que deveria estar implantado para ser operacionalizado e receber recursos federais, não existe… Registra-se, também, que não ficou comprovado que a COAAFI – Cooperativa dos Agentes Ambientais de Foz do Iguaçu tenha a documentação de registro regular, sendo que esta recebe recursos por fazer a coleta de resíduos sólidos recicláveis, por meio de termo de colaboração firmado entre a Secretaria de Meio Ambiente e a cooperativa”.
O relatório desta CPI foi encaminhado, em 2021, para o Ministério Público, que concordou com as conclusões dos vereadores. “Entrei com ação penal e cível pública pela prática de improbidade administrativa contra todos os envolvidos”, afirmou o promotor Marcos Cristiano Andrade, da 6ª Promotoria Pública de Foz do Iguaçu.
A cooperativa a que a CPI se refere é quem recebe o dinheiro pago pelas concessionárias. Apesar do nome, a Coaafi e outras três cooperativas criadas na esteira da primeira, não se enquadram como tal, pois lhes faltam inscrição na Ocepar – Sindicato e Organização das Cooperativas do Estado do Paraná. Ou seja, são meramente associações.
A justificativa para o repasse é a aplicação do recurso na atividade de coleta e destinação do lixo seletivo na cidade, mas os recicladores sobrevivem com o dinheiro da venda dos materiais que eles mesmos catam ou que chegam através dos caminhões que recolhem o lixo reciclável, que são mantidos pela prefeitura.
Aliás, a responsabilidade pela coleta e destinação de recicláveis constava do contrato da Vital Engenharia até 2018, quando a atividade foi retirada do escopo da empresa concessionária e transferida para o município, através das tais associações. Mesmo antes, apesar de receber pelo serviço, a Coaafi não prestava o serviço.
Diante deste panorama em que sobram irregularidades, o aumento do valor do contrato de coleta de lixo mantido entre o Município e a empresa Vital Engenharia Ambiental S/A, chamado tecnicamente de apostilamento, pode ter sido feito de maneira irregular e exposto o prefeito General Silva e Luna ao cometimento do crime de improbidade administrativa.
A medida administrativa elevou o valor da prestação de serviços de R$ 392 milhões para R$ 635 milhões, um reajuste de 60% para um contrato de prazo de 15 anos, duração da concessão. A justificativa foi que o valor do contrato, assinado em 2013, deveria ser anualmente atualizado pelo índice de correção prevista no documento, o que não teria acontecido. Porém, os pagamentos foram feitos sempre com o valor corrigido, o que teria zerado o saldo do contrato antes do seu término.
A irregularidade que pode ter sido cometida pelo Executivo estaria justamente na ausência da anuência de agência fiscalizadora do contrato.
O contrato estabelecido entre a Vital e o município é omisso quanto ao agente regulador, o que por si só é uma inconformidade. E, teoricamente, sem a regulação de uma agência, toda e qualquer medida tomada sem essa assistência carece de validade.
A Secretaria Municipal de Meio Ambiente alega ser a reguladora do contrato de coleta e destinação de resíduos, enquanto o contrato de água e esgotos é regulado pela Agepar – Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados do Paraná.
Sem mecanismos de controle independentes e atuantes os serviços de saneamento básico e coleta e destinação de lixo não sofrem praticamente nenhum tipo de regulação, deixando os clientes à mercê da boa vontade das empresas que realizam a prestação de serviços. E reclamações não faltam, para as duas concessionárias.
A Secretaria de Meio Ambiente foi procurada para explicar a forma de fiscalização exercida sobre os contratos, mais especificamente o da Vital. O titular da pasta, recém-empossado, Idelson Chaves, disse haver um fiscal do contrato, e, apesar de confirmar o repasse do dinheiro para as associações, o secretário não soube precisar o valor dos depósitos, sequer o real destino da verba.
O Conselho Municipal de Meio Ambiente, cuja presidência também é exercida pelo secretário Idelson Chaves, o que por si só é contraditório, afirmou que as prestações de contas, apresentadas de forma resumida, foram aprovadas.
Questionado sobre os valores existentes no Fundo Municipal de Meio Ambiente, sua origem e destino, o secretário de Finanças e Orçamento, Eduardo Garrido, disse que encaminharia os valores, mas até o momento da publicação desta matéria nada havia sido enviado ao jornalismo da Rádio Cultura.
A presidente da Coaafi, Cleusa Cordeiro da Silva, disse que a associação é uma empresa privada e que não tem obrigação de apresentar nenhuma prestação de contas. Porém, como recebe recursos públicos, não apenas da prefeitura de Foz, a associação tem sim o dever de prestar contas dos valores recebidos.
Além da ausência da fiscalização e da anuência de agência reguladora na modificação do valor do contrato, também deixou de ser observado pela prefeitura no cálculo a diminuição dos serviços prestados pela Vital. O contrato original, assinado em 2013, incluía a coleta e destinação de recicláveis, serviço que deixou de ser prestado pela Vital em 2018.
Ou seja, o valor equivalente a este serviço deveria ser descontado do cálculo. Também foram subtraídos do rol de serviços a coleta mecanizada, além da diminuição considerável da frequência de outros.
Sem informações claras e precisas o iguaçuense segue sem saber o que está pagando com o valo da taxa de lixo.
A respeito dos fatos aqui retratados a prefeitura de Foz do Iguaçu mandou a seguinte nota:
“Em relação à matéria sobre o 2º Termo de Apostilamento ao Contrato nº 118/2013, firmado entre o Município de Foz do Iguaçu e a empresa Vital Engenharia Ambiental S/A, a Prefeitura esclarece que não houve qualquer irregularidade no procedimento, tampouco ato que configure improbidade administrativa por parte do prefeito General Silva e Luna.
O chamado “apostilamento” é uma ferramenta prevista no art. 65, §8º da Lei nº 8.666/1993, destinada à atualização formal de valores contratuais, quando já previstos no contrato e no edital, sem modificar objeto, prazo ou condições da concessão.
No caso em questão, os reajustes anuais estavam claramente previstos no contrato (item 5.3) e no edital da concorrência pública (item 19.1), tendo sido reconhecidos e aplicados em todas as gestões anteriores com base em ofícios formais da empresa. No entanto, ao longo dos anos, o valor total do contrato não foi atualizado formalmente por apostilamentos, o que provocou o esgotamento do saldo antes do prazo final da concessão.
Diferentemente do que se pretende caracterizar na matéria, a medida adotada pela atual gestão não criou novos valores nem aumentou o escopo do contrato, mas apenas recompôs tecnicamente o saldo contratual com base em parecer técnico-financeiro detalhado e nos próprios pagamentos já realizados ao longo da execução. Trata-se, portanto, de um ato corretivo e não expansivo, essencial para evitar a interrupção dos serviços de limpeza urbana.
Sobre a menção à ausência de agência reguladora, é importante esclarecer que não há qualquer obrigatoriedade legal para que contratos desta natureza estejam vinculados a uma agência externa de regulação. A legislação vigente, incluindo a Lei nº 8.666/1993 e a Lei nº 11.445/2007 (antigo marco do saneamento) e Decreto Federal Nº 7.217/2010, admite que a fiscalização e regulação desses contratos seja exercida diretamente pelo próprio poder concedente, por meio de suas secretarias e órgãos técnicos.
No caso do contrato com a Vital, a fiscalização sempre foi realizada pela estrutura administrativa da Prefeitura, com controle técnico da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e acompanhamento dos setores competentes. Esse modelo de regulação direta é legal, previsto em lei, amplamente praticado no país e não compromete a validade do contrato nem de seus atos administrativos subsequentes, como o apostilamento.
A Prefeitura reitera que todas as medidas adotadas foram respaldadas por pareceres técnicos e jurídicos, dentro da mais absoluta legalidade e com total transparência, sendo incorreta qualquer tentativa de associar o ato a um crime de improbidade, especialmente após as alterações promovidas pela Lei nº 14.230/2021, que exige dolo e desvio de finalidade para que se configure tal infração.”