Livro resgata prisão política de Juvêncio Mazzarollo e memória da resistência no Paraná

Obra de Daniela Neves revisita a trajetória do jornalista e professor iguaçuense, último preso político da ditadura militar brasileira.

Foto: Divulgação

A jornalista e escritora Daniela Neves lançou um livro que resgata a história de Juvêncio Mazzarollo, jornalista e professor em Foz do Iguaçu, considerado o último preso político da ditadura militar. A obra revive memórias pessoais, documentos e depoimentos que revelam a repressão do período e o impacto das lutas sociais no Oeste do Paraná. Juvêncio faleceu em 2014, em Foz, vítima de um AVC.

As memórias de uma menina de oito anos que visitava um amigo da família no cárcere, no início da década de 1980, tornaram-se o fio condutor do livro que reconstrói a prisão de Juvêncio entre 1982 e 1984. A obra, escrita por Daniela Neves, costura relatos pessoais, documentos históricos e depoimentos de quem participou dos movimentos de resistência daquela época.

“As memórias dessa criança que visitava o Juvêncio na prisão me acompanharam por toda a vida”, contou Daniela durante entrevista ao Contraponto – A Voz do Povo, da Rádio Cultura Foz. “Quando me mudei para Foz e procurei algo sistematizado sobre ele, percebi que não havia. Então entendi que deveria assumir essa missão” contou.

Um símbolo da luta por democracia

A autora explica que a prisão de Mazzarollo é utilizada como eixo narrativo para reconstruir um contexto de intensa mobilização social no Paraná. “A prisão dele é um fio condutor para apresentar o cenário que existia: a luta dos agricultores desapropriados por Itaipu, o movimento pela redemocratização e a mobilização em Curitiba pela libertação dele”, afirmou.

Juvêncio foi enquadrado em três artigos da Lei de Segurança Nacional após publicar críticas contundentes ao Exército e ao processo de indenização dos agricultores atingidos pela formação do reservatório da Itaipu Binacional. “Ele tinha um texto muito ácido no jornal O Nosso Tempo e não cedeu às pressões para parar de escrever”, relembrou Daniela.

Mesmo após a Anistia de 1979, Mazzarollo permaneceu preso. Seu recurso chegou a ser julgado sem a presença dos advogados, o que atrasou ainda mais sua libertação. A situação levou o jornalista a fazer uma greve de fome de 16 dias. “Ele dizia: ‘Eu não vou me matar. É o Estado que está me matando’”, destacou a autora.

Fragmentos de memória e história oral

Para construir o livro, Daniela entrevistou 21 pessoas, reunindo relatos inéditos de quem acompanhou o jornalista no cárcere ou participou das mobilizações pela sua libertação. Entre esses personagens está Sinésio, militante designado para visitá-lo diariamente. Com o tempo, os encontros viraram amizade.

“Os dois começaram a conversar sobre livros e criaram um vínculo muito forte”, contou Daniela. “Tem até uma história curiosa: um dia, já no fim do período de prisão, eles avisaram o guarda que iriam comprar cigarro e foram até o bar da esquina tomar uma cerveja. E voltaram. Nunca passou pela cabeça do Juvêncio fugir”.

A crítica ambiental e o debate sobre Itaipu

O livro também recupera o papel de Mazzarollo nas críticas ao impacto ambiental e social da construção da usina de Itaipu — temas considerados improváveis para a época. Segundo Daniela:
“Ele falava da flora, da fauna, dos animais que seriam afetados. Era uma preocupação rara nos anos 1980, quando a visão dominante era a do desenvolvimento a qualquer custo”.

Financiamento, distribuição e Feira do Livro

A obra foi produzida com recursos da Lei Aldir Blanc, o que permite sua distribuição gratuita. “Eu vou doar esses livros. Basta que a pessoa entre em contato comigo pelo Instagram @danisilvaneves”, afirmou a autora.

Daniela também esclareceu a polêmica sobre o lançamento na Feira do Livro de Foz do Iguaçu. “Eu tinha confirmado o lançamento, mas um dia antes fui informada de que, por um erro da organização, não havia mais espaço. Considerei um desrespeito e optei por não participar do estande dos autores locais”, explicou. O lançamento acabou ocorrendo no Mercado Público Barrageiro.

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