Em um gesto inédito de reconhecimento histórico, o Estado Brasileiro e a Itaipu Binacional pediram desculpas públicas ao povo indígena Avá-Guarani, do oeste do Paraná, pelas graves violações de direitos humanos ocorridas durante a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu, entre as décadas de 1970 e 1980. A manifestação foi feita nesta quarta-feira (29) e simboliza um marco nas relações do país com os povos originários afetados por grandes empreendimentos.
O pedido é resultado de um acordo firmado entre a União, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e a própria Itaipu Binacional, perante a Câmara de Mediação e Conciliação da Administração Pública Federal. O documento foi homologado judicialmente pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em março de 2025, no âmbito da Ação Cível Originária, movida pelo Ministério Público Federal (MPF) e por comunidades Avá-Guarani.
Pelo acordo, a Itaipu se comprometeu a investir R$ 240 milhões de recursos próprios na compra de três mil hectares de terras rurais, que serão destinados a 31 comunidades Avá-Guarani, beneficiando cerca de cinco mil pessoas. O texto das desculpas faz referência direta às recomendações da Comissão Nacional da Verdade, que sugeriu um pedido público do Estado brasileiro pelos “esbulhos de terras indígenas e demais graves violações de direitos humanos”.
Os Avá-Guarani são descendentes de povos que habitavam amplas regiões do Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil desde o século XV. No oeste paranaense, sofreram um longo processo de expropriação, agravado pela colonização e pela construção da barragem de Itaipu, que inundou territórios e desalojou comunidades inteiras. Antes disso, já haviam sido submetidos a regimes de trabalho análogo à escravidão na extração de erva-mate e madeira, entre o fim do século XIX e o início do XX.
Apesar do simbolismo do pedido, lideranças indígenas consideram que o reconhecimento oficial chega tardiamente. “As desculpas são importantes, mas não devolvem o tempo nem a vida que nos foi tirada. O que queremos é terra, respeito e futuro para nossas crianças”, afirmou uma liderança Avá-Guarani durante a cerimônia.
O ato público de desculpas, embora tardio, inaugura um novo capítulo na relação entre o Estado e os povos indígenas do país. Mais do que um gesto de reparação simbólica, o desafio agora é transformar o reconhecimento da culpa em políticas concretas de restituição territorial, valorização cultural e justiça histórica.
Leia abaixo a íntegra do texto
Pedido de desculpas do Estado Brasileiro ao povo Avá-Guarani
“Pelas graves violações de direitos humanos sofridas pelo povo indígena Avá-Guarani durante a construção da Usina Hidroelétrica de Itaipu no lado brasileiro.
Representado pela União, pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o Estado Brasileiro e a Itaipu Binacional (margem esquerda) reconhecem publicamente e pedem desculpas ao povo Avá-Guarani, do oeste do Paraná, pelos danos e violações de direitos humanos ocorridos durante a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu nas décadas de 1970 e 1980.
O presente pedido resulta de acordo frmado pelas partes perante a Câmara de Mediação e Conciliação da Administração Pública Federal (CCAF/CGU/AGU) e homologado judicialmente na Ação Cível Originária (ACO) nº 3.555, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF), ajuizada por iniciativa do Ministério Público Federal (MPF) e das Comunidades Avá-Guarani, com o objetivo de promover a reparação às comunidades indígenas Avá-Guarani do oeste do Paraná, tendo como um de seus requerimentos que “seguindo as recomendações da Comissão Nacional da Verdade”, o Estado Brasileiro, realize “Pedido público de desculpas do Estado Brasileiro aos povos indígenas pelo esbulho das terras indígenas e pelas demais graves violações de direitos humanos ocorridas sob sua responsabilidade direta ou indireta no período investigado, visando a instauração de um marco inicial de um processo reparatório amplo e de caráter coletivo a esses povos.’ […]”.
Os Avá-Guarani que hoje vivem na região são falantes do tronco linguístico tupi-guarani, que ocupavam no século XV vasto espaço correspondente às atuais regiões Sul, Sudeste e Centro- Oeste do território brasileiro. São sobreviventes de um longo processo de expropriação de suas terras e direitos, desde a colonização de seu território de ocupação tradicional até a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu.
Histórico de violações
Entre o fnal do século XIX e início do século XX, as populações Guarani sobreviventes deste longo histórico de escravização oram empregadas no oeste paranaense na produção de erva- mate e derrubada de madeira. Eles viviam em regime de trabalho análogo à escravidão, ou de escravidão por dívidas, em vastas áreas concedidas pelo Governo Imperial e, posteriormente, pelo Governo Republicano para companhias privadas.
Com o declínio da atividade ervateira a partir da década de 1930, teve início um novo padrão de exploração e ocupação do território. Iniciada em 1938, a chamada marcha para o oeste causou a chegada massiva de colonos ao oeste do Paraná. As terras indígenas foram alvo dessa onda neocolonial e passaram a ser tituladas a não indígenas, por meio de iniciativas estatais dos governos federal e estadual, que partiam da premissa de existência de vazio demográfico.



















































