Existem milhares de histórias dentro da História. Algumas conhecidas por muitos, outras tantas mantidas, de maneira muito tímida, flutuando no imaginário coletivo, como se mesmo quem as viveu, pudesse duvidar da veracidade. Existem histórias de pescadores e são muitas. Existem histórias de aviadores, inventores e protetores. E existem histórias que são como um grande mosaico de peças completamente distintas que se encaixam perfeitamente.
Algumas histórias começam a partir de uma simples curiosidade e quando percebemos há uma série de fatos que vão construindo um trilhar de resultados inesperados, uma linha do tempo com momentos únicos, que marcam o desenvolvimento da humanidade como um todo.
Lembro-me quando ouvi falar pela primeira vez sobre Santos Dumont, o “Pai da Aviação”. Naquela época, quando criança, o via em livros e estudava sobre sua brilhante invenção de asas longas. Sabia que Santos Dumont, aquela figura simpática de chapéu-panamá alongado, havia inventado um avião. Só muito tempo depois, com a multiplicação das informações é que outros personagens entraram na história e o título de “Pai da Aviação” passou a ser questionado por americanos que defendiam que a invenção havia sido testada 3 anos antes, nos Estados Unidos da América pelos irmãos Wright.
Longe de questionar os méritos, o que trago hoje são apenas reflexões das histórias contidas nas histórias que contamos sobre a História.
Há 119 anos, no dia 23 de outubro de 1906, Santos Dumont, brasileiro filho de pai francês e mãe de descendência portuguesa fazia história nos céus de Paris com o seu 14-Bis, o primeiro voo homologado de um avião mais pesado que o ar. Fato controverso, mas presente e inquestionável na memória afetiva de muitos.
Mas o espírito visionário do inventor, considerado um polímata brasileiro, não se limitou ao ar. Anos depois, ele deixaria sua marca também sobre a terra — e, mais precisamente, sobre as águas das Cataratas do Iguaçu e isso eu só tive conhecimento há pouco tempo, além do fato de Santos Dumont ser considerado o inventor do relógio de pulso e do chuveiro com água quente que mais tarde evoluiria para o chuveiro elétrico, invenção de outro brasileiro.
Em abril de 1916, Dumont em passagem pelo extremo Oeste do Paraná, foi convidado a hospedar-se no Hotel Brasil, de propriedade do hoteleiro anfitrião. Encantado com a grandiosidade das quedas d’água, o aviador logo questionou ao descobrir que as Cataratas do Iguaçu eram, à época, uma propriedade particular.
Incrédulo, Dumont teria dito ao anfitrião: “Posso dizer-lhe, Frederico Engel, que estas maravilhas não podem continuar a pertencer a um particular.”
Sensível ao valor coletivo daquele cenário exuberante, Santos Dumont intercedeu junto ao governador do Paraná, solicitando que a área fosse declarada de utilidade pública. Poucos meses depois, em julho de 1916, o governo estadual atendeu ao pedido. Esse foi o primeiro passo para que, em 1939, o Parque Nacional do Iguaçu fosse criado — hoje Patrimônio Natural da Humanidade.
Por esse feito, Santos Dumont é lembrado em Foz do Iguaçu não apenas como o “Pai da Aviação” e “Patrono da Aeronáutica”, mas também como guardião das Cataratas. E como guardião ganhou presença permanente: uma estátua em tamanho real inaugurada em 1979, no Parque Nacional das Cataratas.
Assim, Foz do Iguaçu guarda não só a força das águas, mas também o eco do voo de um homem que acreditava na liberdade — das máquinas, das ideias e da própria natureza.
E para finalizar, a imagem deste texto foi uma colagem feita por mim, uma mistura de tempos e sonhos, do que poderia ter sido, aos meus olhos e sem a real ordem cronológica, o 14-Bis sobrevoando as Cataratas do Iguaçu, com Santos Dumont observando em seu relógio de pulso os minutos imortalizados no costurar das histórias da Grande História.
Até o próximo porto, ou aeroporto!
Estella Parisotto Lucas