Uma minuta de portaria do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) provocou forte reação em lideranças locais e conselheiros ligados ao Parque Nacional do Iguaçu (PNI). O documento — identificado como Portaria nº 021493267/2025 — altera a forma de destinação dos chamados encargos acessórios, recursos oriundos do contrato de concessão do parque.
Na avaliação do Conselho Consultivo do PNI (CONPARNI), as mudanças podem resultar em cortes de até 50% nos investimentos realizados nos 14 municípios do entorno, impactando diretamente programas de conservação, educação ambiental, integração comunitária e fortalecimento do turismo sustentável.
A proposta ainda abre margem para que parte dos recursos seja desviada da região, sob o argumento de “fortalecimento institucional” do ICMBio em âmbito nacional — possibilidade considerada um retrocesso por representantes locais.
Risco de esvaziamento da participação local
Para o presidente do CONTUR e membro do CONPARNI, Diogo Marcel, os encargos acessórios nasceram como uma conquista regional. “O Parque Nacional do Iguaçu foi o primeiro contrato de concessão que trouxe essa modalidade. Esses recursos representam cerca de 6% do faturamento do parque e são fundamentais para o desenvolvimento do entorno”, afirmou.
Segundo ele, qualquer tentativa de retirar a voz do conselho consultivo ou de reduzir a aplicação direta dos recursos no território rompe não apenas com o contrato de concessão, mas também com os princípios do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC).
“Tirar a participação do conselho nas decisões é muito grave. O conselho está previsto no plano de manejo e em legislações nacionais. Foz do Iguaçu sempre teve protagonismo nessa defesa e não pode perder esse espaço de decisão”, disse.
Marcel lembra que a criação dos encargos acessórios foi uma inovação iniciada no PNI e que hoje inspira contratos em outros parques brasileiros. “Essa é uma conquista local construída com muito esforço. O modelo pode ser ajustado, sim, mas não com medidas que fragilizem a transparência e a autonomia regional.”
Defesa institucional do ICMBio
Na outra ponta do debate, o chefe do Parque Nacional do Iguaçu, José Ulisses dos Santos, minimiza os riscos apontados pelos conselheiros e afirma que os recursos sempre terão o PNI como foco. “O recurso é do parque e sempre será gerido pelo ICMBio. Qualquer projeto precisa ter relação com o objeto do recurso, que é o parque”, declarou.
Ulisses reconhece que houve tentativas de destinar parte dos valores a projetos fora do PNI, mas afirma que a própria procuradoria do ICMBio vetou tais propostas. “Nada pode ser aprovado sem vínculo com o parque. Esse vínculo, no entanto, pode ser ampliado para ações que fortaleçam a gestão nacional das unidades de conservação.”
Segundo ele, tecnologias e metodologias criadas no Iguaçu podem servir de modelo para outras mais de 400 unidades do país. “Isso é fortalecimento institucional. Precisamos ter orgulho do ICMBio e da sua missão de proteger o patrimônio natural brasileiro.”
Centralização ameaça contrato e governança
Apesar da defesa institucional, o CONPARNI vê na minuta um risco de centralização que enfraquece a governança e rompe com a lógica de participação social prevista no contrato de concessão. “Qualquer mudança sem diálogo com o conselho consultivo quebra princípios de participação democrática e controle social”, alerta parecer da Câmara Temática de Recursos.
Para os conselheiros e lideranças, o debate não é apenas sobre números, mas sobre a preservação de um modelo que une conservação ambiental, desenvolvimento econômico e protagonismo comunitário.
“Quando falamos dos encargos acessórios, falamos do entorno do parque — são 14 municípios beneficiados. Se esses recursos forem esvaziados, o pacto que sustenta a concessão perde legitimidade”, reforça Diogo Marcel.
A expectativa das lideranças é de que o ICMBio suspenda a minuta e reabra a discussão com os representantes locais. Do contrário, afirmam, a mudança representará um retrocesso no modelo de gestão compartilhada que fez do Parque Nacional do Iguaçu uma referência nacional.