Machado de Assis

Dom Casmurro

Imagem - Revista Bravo

Imagem publicada, originalmente, em Revista Bravo

O romance Dom Casmurro, publicado em 1899, ainda está presente em debates aflorados quando o tema é traicão em relacionamentos amorosos. Capitu traiu ou não Bentinho? Teria Bentinho sofrido de perturbações mentais por sua paixão desenfreada pela sua “cigana de olhos oblíquos”?

Nem mesmo Machado de Assis deixou claro, penso que para provocar esse tipo de manifestação. Há os que defendam Bentinho e há os que claramente afirmam que Capitu nunca traiu. Era, certamente uma mulher leal aos seus sentimentos e, portanto, inquieta e questionadora. Queria saber mais e indagava.
Compatilho, com vocês, um trecho de um dos romances mais famosos da Literatura Brasileira.

 

DOM CASMURRO – CAPÍTULO XLIII – VOCÊ TEM MEDO?

De repente, cessando a reflexão, fitou em mim os olhos de ressaca, e perguntou-me se tinha medo.
— Medo?
— Sim, pergunto se você tem medo.
— Medo de quê?
— Medo de apanhar, de ser preso, de brigar, de andar, de trabalhar…
Não entendi. Se ela tem dito simplesmente: “Vamos embora!” pode ser que eu obedecesse ou não; em todo caso, entenderia. Mas aquela pergunta assim, vaga e solta, não pude atinar o que era.
— Mas… não entendo. De apanhar?
— Sim.
— Apanhar de quem? Quem é que me dá pancada?
Capitu fez um gesto de impaciência. Os olhos de ressaca não se mexiam e pareciam crescer. Sem saber de mim, e, não querendo interrogá-la novamente, entrei a cogitar donde me viriam pancadas, e por que, e também por que é que seria preso, e quem é que me havia de prender. Valha-me Deus! vi de imaginação o aljube, uma casa escura e infecta. Também vi a presiganga, o quartel dos Barbonos e a Casa de Correção. Todas essas belas instituições sociais me envolviam no seu mistério, sem que os olhos de ressaca de Capitu deixassem de crescer para mim, a tal ponto que as fizeram esquecer de todo. O erro de Capitu foi não deixá-los crescer infinitamente, antes diminuir até às dimensões normais, e dar-lhes o movimento do costume. Capitu tornou ao que era, disse-me que estava brincando, não precisava afligir-me, e, com um gesto cheio de graça, bateu-me na cara, sorrindo, e disse:
— Medroso!
— Eu? Mas…
— Não é nada, Bentinho. Pois quem é que há de dar pancada ao prender você? Desculpe, que eu hoje estou meia maluca; quero brincar, e…
— Não, Capitu; você não está brincando; nesta ocasião, nenhum de nós tem vontade de brincar.
— Tem razão, foi só maluquice; até logo.
— Como até logo?
— Está-me voltando a dor de cabeça; vou botar uma rodela de limão nas fontes.
Fez o que disse, e atou o lenço outra vez na testa. Em seguida, acompanhou-me ao quintal para se despedir de mim; mas, ainda aí nos detivemos por alguns minutos, sentados sobre a borda do poço. Ventava, o céu estava coberto. Capitu falou novamente da nossa separação, como de um fato certo e definitivo, por mais
que eu, receoso disso mesmo, buscasse agora razões para animá-la. Capitu, quando não falava, riscava no chão, com um pedaço de taquara, narizes e perfis.
Desde que se metera a desenhar, era uma das suas diversões; tudo lhe servia de papel e lápis. Como me lembrassem os nossos nomes abertos por ela no muro, quis fazer o mesmo no chão, e pedi-lhe a taquara. Não me ouviu ou não me atendeu.

Um pouco sobre Machado de Assis

Joaquim Maria Machado de Assis, nasceu no Rio de Janeiro em 21 de junho de 1839 e faleceu na mesma cidade em 29 de setembro de 1908. Filho de um brasileiro chamado Francisco José de Assis e da açoriana Maria Leopoldina Machado de Assis, tinha a mistura de origens em suas veias.

O Bruxo do Cosme Velho publicou seu primeiro poema “Ela” em 1855, dando início auma fantástica construção no mundo das palavras. Foi romancista, dramaturgo, contista, jornalista, cronista e teatrólogo brasileiro, considerado como o maior nome da Literatura Brasileira e um dos maiores escritores do mundo.

Fundou em 1865 a Arcádia Fluminense, uma sociedade artítico-literária, onde aconteciam saraus, leituras de poemas e encontros entre escritores e intelectuais da região.

Anos depois, já reconhecido pela sua obra, fundou no dia 20 de julho de 1897 com iniciativa de Lúcio de Mendonça, a Academia Brasileira de Letras, da qual foi eleito o primeiro Presidente. Permaneceu à frente da associação por cerca de 10 anos.

Sua obra é de relevância para a história, não apenas literária, mas social. Machado de Assis foi múltiplo, foi único!

E você, já leu algum dos livros de Machado? Qual gosta mais?

Eu gosto de Dom Casmurro e da inquietude de Capitu!

Até breve e boa leitura,

Estella Lucas

Fontes:
Fonte – Trecho de Dom Casmurro: https://machado.mec.gov.br/obra-completa-lista/itemlist/category/23-romance
Texto de referência: Obras Completas de Machado de Assis, vol. I, Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1994.Publicado originalmente pela Editora Garnier, Rio de Janeiro, 1899.
Fonte – Dados Biográficos e Imagem: https://machado.mec.gov.br/#cronologia      http://pt.wikipedia.org/wiki/Machado_de_Assis
Fonte da Imagem em destaque – BRAVO – https://bravo.abril.com.br/literatura/100-obras-essenciais-entenda-como-dom-casmurro-inaugurou-a-moderna-ficcao-brasileira/#google_vignette
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