Situação orquestrada ou uma tremenda coincidência? É o que estão se perguntado professores e dirigentes sindicais diante do que está acontecendo com o ensino da língua inglesa na rede pública municipal.
Uma sequência de fatos vem despertando suspeitas pelo encadeamento de acontecimentos que se deram em um curto espaço de tempo. Nos últimos dias de maio, a secretária de Educação, Silvana Garcia, e mais duas servidoras da mesma pasta, participaram em Pilar, cidade da região metropolitana de Maceió, de uma ação comercial promovida pela Systemic Editora, denominado Systemic Immersive Tour Pilar.
O evento foi realizado no luxuoso Hotel Ritz Lagoa da Anta, onde os cerca de 60 participantes também se hospedaram. Diretores e secretários de escolas foram convidados para conhecer o material de ensino de inglês produzido e vendido pela Systemic e teve seu ponto alto no dia 29 daquele mês, uma sexta-feira.
Durante o encontro a professora Silvana deu um depoimento aos organizadores do evento afirmando que o material seria implantado em Foz do Iguaçu. “Com certeza iremos implantar em nosso município”, diz a secretária em vídeo postado no Instagram referindo-se ao sistema educativo da Systemic. Não consta no Portal de Transparência da prefeitura qualquer despesa de viagem para as servidoras nestas datas.
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No domingo, dia primeiro de junho, um vereador da base de apoio do prefeito Silva e Luna publicou em suas redes sociais um vídeo com acusações contra o livro de inglês que a rede utiliza desde 2021 e que foi elaborado por especialistas da própria rede municipal em colaboração com pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).
A celeuma sobre o livro se deu em função de uma atividade, que utilizava uma “tirinha” sobre o “Valentine’s Day” para explorar aspectos culturais daquele idioma. Os detratores da publicação alegam que o conteúdo promove confusão na cabeça das crianças e induz a sexualidade precocemente. A tirinha mostra duas crianças conversando sobre a data comemorativa, sem alusão a qualquer outro tipo de informação dúbia.
Segundo o Sinprefi – Sindicato dos Professores e Profissionais da Educação da Rede Pública Municipal de Foz do Iguaçu, já na segunda-feira, dia 2, um caminhão da prefeitura foi até as escolas e recolheu todos os exemplares, deixando os alunos sem material didático. No dia 4 de junho, durante a inauguração de um trecho da Avenida João Paulo II, o prefeito Silva e Luna disse à reportagem da Rádio Cultura que o recolhimento dos livros seguiu ordens suas.
“Não é só pelo livro em si, mas pela forma como tudo aconteceu. Se a secretária quer fazer uma troca de material? Sem problemas, mas que forme uma comissão para discutir a necessidade e alternativas”, destacou a presidente do Sinprefi, Viviane Dotto.
No mês de julho a Secretaria de Educação iniciou o procedimento para a aquisição do material da Systemic. A redação da Rádio Cultura teve acesso com exclusividade a cópias de diversos memorandos internos sobre o assunto.
No dia 16 de julho a pasta enviou ao setor de licitações um documento de formalização de demanda, onde especifica o material a ser adquirido com o argumento de que a como “necessidade urgente de implementar um programa de educação bilíngue no ensino fundamental”. E justificam que tal medida ‘trata-se de uma ação estratégica, em consonância com a BNCC (Base Nacional Curricular)’, entre outros contextos.
Embora seja louvável a intenção de oferecer ensino de inglês aos alunos da rede municipal, a secretaria usa argumento que não condiz totalmente com a realidade. A BNCC só impõe o ensino de inglês às séries finais, ou seja, a disciplina na rede municipal é totalmente optativa.
Por ser matéria alternativa, atualmente, menos da metade das escolas da rede ofertam o ensino, justamente pelo elevado custo para o gestor. A aquisição de material para atender unicamente quatro escolas – conforme projeto piloto apresentado pela secretaria- vai custar R$ 900 mil por ano aos cofres públicos.
Como este tipo de aquisição pode ser feita com dispensa de licitação, pela natureza do produto, chama atenção a cronologia dos fatos e a coincidência dos acontecimentos que precederam a decisão da imediata substituição do material, mesmo estando em pleno ano letivo.
A professora Jorgelina Talei, da Unila, que fez parte da comissão que elaborou o material utilizado hoje nas escolas, discorda da forma como a situação está sendo conduzida. “O caminho para a troca do material é formar uma seleção composta por especialistas no ensino de línguas, inclusive, com profissionais externos para não haver nenhum critério subjetivo e, a partir daí, as empresas do ramo enviam materiais para serem analisados. Não pode a secretária sozinha decidir”, explicou.
Jorgelina lembra que o material utilizado hoje foi adaptado para a realidade local, com muitas informações sobre turismo, fronteira, etc. Segundo a docente, o material atual tem um prazo de validade de dez anos e, se alguma parte do conteúdo não agradava a atual gestão, bastava substituir esta parte por algo que fosse adequado para os critérios da secretaria.
A Systemic é uma empresa pouco conhecida no mercado e comercializa um sistema educacional fechado, onde todo conteúdo vem pronto desprezando as peculiaridades de cada região do país. No site da empresa é possível ver, em praticamente 100% dos vídeos e publicações, a rede municipal da cidade Pilar, como exemplo de aplicação do material didático.
Nesta quarta-feira, 24, a justiça concedeu liminar em uma ação civil pública movida pelo Sinprefi e determinou a volta dos livros às salas de aula e sua utilização no ensino do inglês. A prefeitura tem dez dias para cumprir o determinado judicialmente, sob pena de multa de R$ 10 mil, que será aplicado diretamente à secretária de Educação.
A Rádio Cultura encaminhou para a Comunicação Social da prefeitura algumas perguntas que seguem sem resposta, entre elas: qual o critério para escolha do material da Systemic para o ensino do idioma inglês nas escolas e quem bancou as despesas da secretária e mais duas servidoras ao evento promovido pela Systemic, entre outros.