Garoto iguaçuense protagoniza filme nacional

Pedro Vinícius de Matos Francisco, 9 anos, é um dos protagonistas do drama O filho eterno, adaptação para o cinema do romance homônimo de Cristóvão Tezza, escritor catarinense radicado em Curitiba. Na trama, ele dá vida a Fabrício, filho de Roberto (Marcos Veras) e Cláudia (Débora Falabella). Pedro é filho de João Batista Francisco, que trabalha na Divisão de Estudos Hidrológicos e Energéticos da Usina de Itaipu.

O filme, lançado em outubro no Festival do Rio, entra em cartaz no circuito nacional em 1º de dezembro. Ainda não há confirmação das salas que exibirão a produção. O trailer está disponível no site da Globo Filmes.

Pedro Vinícius foi selecionado em Curitiba para o papel entre mais de 50 crianças com Síndrome de Down (mutação genética na qual a pessoa tem 47 cromossomos, em vez de 46). Antes, ele nunca havia atuado no teatro e nem no cinema.

A escolha para o casting ocorreu por meio da Instituição Reviver Down, de Curitiba, onde o menino mora com a mãe e os irmãos. O pai passa a maior parte do tempo em Foz do Iguaçu, por causa da natureza de seu trabalho na Itaipu, na hidrologia de campo.

“Quando minha mulher chegou para a seleção, eles sentaram e esperaram. O Pedro sentou e ficou quietinho, aguardando, enquanto havia uma criançada hiperativa, correndo de um lado para o outro”, conta. Esta diferença de comportamento levou a mãe a pensar que o filho seria recusado. “No dia seguinte ligaram para nossa casa avisando que Pedro estava entre os finalistas. Depois veio a confirmação. Quase nem acreditamos de alegria.”

A inexperiência do estreante não foi empecilho para a desenvoltura frente às câmeras, elogiada pelos atores, diretores e em críticas após o Festival do Rio. “A atuação de Pedro tem sido uma das grandes atrações do set de filmagem, segundo Veras e Machline. (…) Muitas vezes, sua inocência e doçura surpreendem até os mais experientes”, relata matéria de O Globo, publicada em 18 de abril de 2016.

João Francisco e a esposa Ana Cláudia também estavam no lançamento, no Rio de Janeiro. “Vimos atores e atrizes da Globo se emocionando ao final do filme”, conta o colega. O pai também quase não contêm as lágrimas ao se lembrar do momento. “Para nós, foi uma coisa muito forte”, diz.

O longa metragem foi gravado na capital paranaense, no primeiro semestre deste ano. A rotina de gravações de Pedro Vinícius durou dez dias. Parte dela foi acompanhada pelo pai, João Francisco, durante o feriado de Páscoa.

Ficção e realidade

A obra de Tezza foi premiada com o Jabuti de Melhor Romance de 2008. Para o cinema, a história foi adaptada. O roteiro é de Leonardo Levis e a direção é de Paulo Machline. A trama se desenvolve a partir da chegada de Fabrício à vida do pai, Roberto, e da transformação imposta por esta paternidade.

O colega de Itaipu não se vê representado nas duas apresentações da história, nem na literatura, nem no cinema. A similaridade entre Tezza, o escritor, Roberto, o personagem do filme, e João Francisco praticamente se encerra no fato de os três serem pais de filhos com Síndrome de Down. “Não me acho parecido com eles”, disse.

Ao contrário do caso de Tezza e de Roberto, Pedro Vinícius não era primogênito de João. Quando o mais novo nasceu, ele e a esposa Ana Cláudia já tinham dois filhos: Ana Carolina, hoje com 20 anos, e João Vítor, com 16 anos.

A síndrome de Pedro Vinícius também não foi descoberta tão próxima ao nascimento, ocorrido em Foz do Iguaçu, em 27 de julho de 2007. “O pediatra que fez o parto levou dois meses para levantar esta hipótese. Antes dos seis meses decidimos que íamos levá-lo a um neurologista em Curitiba”, recorda.

Do médico, a notícia veio acompanhada por uma mensagem: na Síndrome de Down, cada caso é único. “O neurologista disse: tenho pacientes limitados a cadeiras de rodas, mas outros que fazem faculdade. Uma situação é diferente da outra.”

A hipótese das limitações motoras e de problemas de saúde severos não levou o pai ao desespero. “Em nenhum momento eu rejeitei meu filho”, garante. “Desde o início enxerguei um amor muito grande naquela criança, desde que o vi pela primeira vez”, fala, emocionado. “Ele não chorava, não nos dava trabalho. E, à medida que o Pedro ia crescendo, esse amor ia crescendo com ele.”

Na época, as preocupações eram com o desenvolvimento e com a saúde do menino. A fala do especialista sobre a situação de outros pacientes adultos, com mobilidade restrita à cadeira de rodas, ecoava na memória dos pais. Por isso, a família decidiu se mudar para Curitiba, onde encontraria melhor condição de desenvolvimento, na análise dos pais. João Batista ficou sozinho, em Foz, por causa do trabalho, e uma transferência estava fora de cogitação.

“A família da minha mulher mora toda em Curitiba. Lá também conseguimos matriculá-lo em uma escola convencional, que aceitou o Pedro mesmo sem que ele caminhasse, o que não ocorreu em Foz”, recorda. Pouco tempo depois da transferência para a capital, o menino já estava andando e continuou evoluindo bem. “Decidimos que eles ficariam uns dois anos, para acompanhamento dos profissionais, e retornariam. Já se passaram sete e provavelmente eles não retornam mais, pela adaptação deles à cidade.”

Mesmo a distância, o amor dos filhos o acalenta nos dias de solidão em Foz. A paixão pelos pássaros – João é ornitólogo (especialista em pássaros) – ajuda a ocupar seus dias, até que aposente daqui dois anos. Os cânticos das aves são sua companhia diária e escutar a voz do filho também é seu refúgio. Ele não passa nenhum dia sem ouvir o som da voz do caçula, pelo telefone. “Ligo para ele todos os dias”, diz. “Os [filhos] mais velhos não fazem mais questão de falar comigo com a mesma periodicidade. “Sabe como é. Pai sempre cobra uma coisa ou outra né? É parte de nosso papel”.

Sobre o futuro, João Francisco garante que suas expectativas para Pedro Vinícius são comedidas. Não há grandes planos para uma carreira artística. Para ele e a esposa, a grande conquista já aconteceu. O menino desfruta de boa saúde, vai bem na escola, é querido por seus colegas, tem bons amigos e tem “o dom do amor, como toda criança Down”, segundo João.

“Quem o conhece entende o que estou dizendo. Ele é muito carinhoso com todos”. Marcos Veras, seu colega de filme, parece concordar. “Com ele, aprendi uma outra forma de ver as coisas.”, disse o ator sobre o menino, na entrevista de abril ao jornal O Globo. Agora, o caçula está em um filme nacional, com um elenco de primeira grandeza. “O que aconteceu foi uma coisa espetacular. Entendemos que ainda pode haver frutos, mas o que vier depois é lucro.”

A curto prazo, o pai prefere almejar coisas pequenas para o rebento. Uma delas é rever a história na telona e conferir novamente a atuação do filho ao lado dos amigos e familiares que sempre os apoiaram, em Curitiba e Foz. “Espero que o filme venha para os cinemas daqui. É o mais que desejamos, neste momento”, conclui João Francisco, o pai eterno de Pedro Vinícius.

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